Tobias Norões Carvalho
Expor sobre as reformas da Lei Adjetiva seria assunto por demais debatido, uma vez que a doutrina pátria já tratou do tema reiteradas vezes.[1]
O presente trabalho busca suscitar questionamentos acerca das necessidades de mudanças no sistema processual civil, buscando unir o dispositivo legal à efetividade do processo. Procura-se ainda esclarecer a seguinte questão: as alterações do CPC não anunciam a premente necessidade de um novo código?
Para Alexandre Freitas Câmara[2], o atual cenário do direito processual pode ser denominado a “era da descodificação” ou “era dos estatutos”, já que as leis esparsas do ordenamento jurídico passaram a regular seus respectivos assuntos de abrangência, tal como se verifica na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei. n° 9.099/95), Estatuto do Idoso (Lei. n° 10.741/03), Lei Maria da Penha (Lei. n° 11.340/06), dentre outros.
Em tais casos, o CPC deve ser utilizado subsidiariamente, pois a lei especial prevalece sobre a lei geral, tal como enuncia o princípio da especialidade.
As reiteradas leis que alteraram a lei adjetiva desconstituíram a natureza do diploma elaborado pelo ilustre Ministro Alfredo Buzaid nos ides de 1973, de tal sorte que hoje o CPC pode ser comparado a uma colcha de retalhos[3].
Com efeito, pode-se destacar três profundas reformas do CPC, quais sejam:
década de 90: antecipação de tutela e procedimento monitório;
ii) 2001/2002: reforma da reforma;
iii) 2005/2006: recurso de agravo e execuções;
Então, indaga-se: alterar substancialmente o modelo idealizado por Liebman, que inspirou a elaboração do CPC, não seria transformar este em uma colcha de retalho, tal como asseverado por Cândido Rangel Dinamarco?
No afã de aclarar tal dúvida, traz-se à baila o pensamento de dois renomados processualistas, a seguir transcritos:
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO[4]: A ocasião, destarte, é propícia para maiores reflexões, que venham a representar substancial atuação do IBDP como instituição científica. Será conveniente, no azo, pensarmos com mais profundidade e com vistas à formulação, quiçá, de um novo sistema processual, abrangente das lides tanto no “individual” como no “coletivo”, buscando meios adequados para a composição dos diversos “tipos” de conflitos, no plano cível e no penal.
(...)
Parece-nos que, neste momento e com este intento, não se deva pensar, ainda, em escrever normas legais, mas em formular ideais e propostas e sustentá-las, apresentar as bases científicas para uma modernizada ordem processual. As reflexões podem ser de caráter geral ou específico e podem tratar de todos os aspectos que envolvem a solução dos conflitos. Grifou-se.
Na mesma tônica, expõe Ada Pellegrini Grinover[5]:
As bases científicas para um novo direito processual civil demandam mudanças estruturais. E, para tanto, o processo civil coletivo – compendiado em um Anteprojeto de Código Brasileiro, cuja proposta foi apresentada pelo IBDP ao Ministério da Justiça - pode servir de inspiração para a modernização do CPC. Ao lado disto, outras mudanças estruturais seriam bem-vindas.
(...)
Princípios gerais: o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (ACBPC) inicia pela enumeração dos princípios da tutela jurisdicional coletiva os quais, em grande parte, também devem reger o processo individual. São eles:
a. acesso à justiça e à ordem jurídica justa;
b. efetividade da tutela jurisdicional;
c. incremento dos meios alternativos de solução dos conflitos;
d. participação pelo processo e no processo;
e. boa-fé e cooperação das partes e de seus procuradores;
f. cooperação dos órgãos públicos na produção da prova;
g. economia processual;
h. instrumentalidade das formas;
i. ativismo judicial;
j. flexibilização da técnica processual, observado o contraditório;
k. repartição dinâmica do ônus da prova;
l. não taxatividade da ação;
m. proporcionalidade e razoabilidade.
Do ensinamento supra, depreende-se que a doutrina em muito se preocupa em preparar os operadores do direito, pois de nada valerá ter uma boa ferramenta em mãos e não saber usá-la. É necessário a participação de todos os envolvidos para a correta aplicação da justiça, seja pessoa física ou jurídica, órgão público ou privado.
O acesso à justiça deve estar associado à celeridade processual, garantindo ao jurisdicionado a efetividade da atuação do Judiciário, que nos dias de hoje ainda é morosa. Para tanto, faz-se premente que todos corroborem para o fim ao qual o processo se propõe, qual seja, um meio utilizado para garantir a satisfação do direito material do interessado.
Neste diapasão, as técnicas processuais devem ser estudadas e aplicadas ao caso concreto, devendo as partes, procuradores e servidores da justiça se empenharem para concretizarem o ideal da justiça.
O excesso de formalismo também deve ser afastado. Em seu lugar deve emergir a flexibilização da técnica processual, na qual o ativismo judicial define a incumbência das provas das partes através da repartição dinâmica do ônus da prova.
Talvez com isso seja possível captar a intenção do legislador ao prever a inversão do ônus da prova nas relações de consumo (art. 6°, VIII CDC[6]), na qual se constata que a inversão do ônus da prova é “técnica”, e não “fática”. Inverter o ônus da prova não implica em considerar verdadeiros os argumentos alegados pela parte, mas dar a oportunidade para o réu produzir as provas que embasem sua tese e, conseqüentemente, rebata os pleitos do autor.
Pelo exposto, pode-se concluir que a criação de um novo modelo processual por si só não basta, sendo indispensável a preparação e adaptação dos operadores do Direito para atuarem em harmonia com o nova sistemática processual, que deve tomar por base o princípio da celeridade e instrumentalidade do processo. Com isso, as tendências contemporâneas do direito processual serão postas em prática, garantindo aos jurisdicionados a aplicação de uma justiça célere e eficaz.
[1] Sobre o tema, vale consultar os escritos de Alexandre Freitas Câmara, Luiz Guilherme Marinoni, Cassio Scarpinella Bueno e Humberto Theodoro Júnior, todos in Bases Científicas para um Renovado Direito Processual. – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008.
[2] CÂMARA, Alexandre Feitas et al.. Bases Científicas para um Renovado Direito Processual – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008, p. 18.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. São Paulo: Malheiros, 2002. O Professor Barbosa Moreira também questiona a estrutura e nova terminologia do CPC após as recentes reformas, sugerindo “passar a limpo” o Código todo, cuja sistemática, se tinha rachaduras de início, agora se acha decididamente reduzida a cacos. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Observações sobre a estrutura e a terminologia do CPC após as reformas das Leis nºs. 11.232 e 11.382. Revista da Ajuris. Porto Alegre, v. 35, n. 109, p. 185-195, março/2008. Fonte: http://www.escola.agu.gov.br/revista/2008/Ano_VIII_julho_2008/questoes_controvertidas-cumprimento-sentenca_leandro.pdf. Acesso em 10/12/08.
[4]CARNEIRO, Athos Gusmãoet al.. Bases científicas para um renovado direito processual. – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008, p. 02.
[5]CÂMARA, Alexandre Feitas et al.. Bases científicas para um renovado direito processual. – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008, p. 18.
[6] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
[1] Sobre o tema, vale consultar os escritos de Alexandre Freitas Câmara, Luiz Guilherme Marinoni, Cassio Scarpinella Bueno e Humberto Theodoro Júnior, todos in Bases Científicas para um Renovado Direito Processual. – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008.
[2] CÂMARA, Alexandre Feitas et al.. Bases Científicas para um Renovado Direito Processual – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008, p. 18.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. São Paulo: Malheiros, 2002. O Professor Barbosa Moreira também questiona a estrutura e nova terminologia do CPC após as recentes reformas, sugerindo “passar a limpo” o Código todo, cuja sistemática, se tinha rachaduras de início, agora se acha decididamente reduzida a cacos. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Observações sobre a estrutura e a terminologia do CPC após as reformas das Leis nºs. 11.232 e 11.382. Revista da Ajuris. Porto Alegre, v. 35, n. 109, p. 185-195, março/2008. Fonte: http://www.escola.agu.gov.br/revista/2008/Ano_VIII_julho_2008/questoes_controvertidas-cumprimento-sentenca_leandro.pdf. Acesso em 10/12/08.
[4]CARNEIRO, Athos Gusmãoet al.. Bases científicas para um renovado direito processual. – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008, p. 02.
[5]CÂMARA, Alexandre Feitas et al.. Bases científicas para um renovado direito processual. – Volume 1. Organizado: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmom – Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Processual. 2008, p. 18.
[6] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
Artigo científico escrito em dez/08 e publicado no sítio do Escritório Cid Marconi Advocacia S/S (http://www.cidmarconi.adv.br/artigos.asp).
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